O apoio parlamentar a um Governo minoritário do PS (2015-2019) justificou-se para a reposição dos direitos retirados pelos cortes da troika, impedindo que PSD e CDS voltassem a formar governo. Porém, pelo menos desde meio da legislatura, ficou claroque, apesar dos acordos parlamentares, o Governo manteve uma política de “bloco central” para fazer passar, entre outras matérias, a entrega de milhares de milhões à banca privada.
A redução do défice continuou a ser uma obsessão, implementando uma política draconiana de cativações orçamentais. Prosseguiu o esvaziamento e destruição dos serviços públicos iniciada nos Governos anteriores e o investimento público defraudou o que devia ser essencial para a viragem da página da austeridade.
O contrato secreto e predatório com a Lone Star não foi denunciado;
As dificuldades no SNS agravaram-se, tornadas evidentes nas situações de rutura no combate à pandemia e na prestação de cuidados aos doentes não COVID;
As leis laborais da troika continuaram a ser impostas aos trabalhadores, mantendo a caducidade dos contratos coletivos, retirando direitos e aprofundando a precarização do trabalho, de que é exemplo o alargamento do período experimental no emprego de 90 para 180 dias;
O investimento para resolver a crise habitacional e robustecer a escola pública foi desprezado.
No caminho até à disputa eleitoral de 2019, o PS tinha de ser confrontado com um novo caderno de encargos, em vez do minimalista acordo inicial, mas o Bloco optou por defender a estabilidade como um valor em si e o prolongamento de uma solução institucional com o PS como eixo central da sua estratégia, secundarizando o seu próprio programa eleitoral. Estava à vista que o PS recusava qualquer entendimento pós-eleitoral à esquerda, estabelecendo na prática acordos com a direita. A iniciativa política ficou, assim, limitada e condicionada.
Era fundamental criar agenda política própria e tomar a iniciativa, apoiar e incentivar as lutas dos movimentos sindicale social em torno de novos objetivos de superação da austeridade e de resposta à emergência climática;confrontar o PS com novas metas; ganhar radicalidade e demarcação; desarmadilhar e não ceder à chantagem da demissão do Governo na proximidade das eleições.
Sem essa confrontação política, nas eleições legislativas de 2019 o PS capitalizou a mensagem da estabilidade, das contas certas, do superavit orçamental, do discurso da responsabilidade e do bom senso, da submissão “inteligente”, mas estrita aos tratados da UE, enquanto exercia mão dura sobre as lutas laborais, “militarizando” o direito à greve.
O OE 2020 devia ter apontado para um novo ciclo de ataque à pobreza, às desigualdades sociais e à mudança climática, pela criação de emprego com direitos e pela reorientação produtiva da economia. Nada disso. Sem a oposição da esquerda parlamentar, o PS condicionou o investimento, designadamente em setores fundamentais como o SNS e a habitação, não tocou na legislação laboral, fragilizou a Segurança Social e alinhou completamente com os objetivos da direita: saldo primário acima dos 3% do PIB e drenagem de recursos para financiamento da dívida. Meses mais tarde, o Governo fez aprovar um Orçamento Suplementar, de novo viabilizado pelo BE, apesar de o PS ter recusado na especialidade a grande maioria das propostas da esquerda. Nem o que negociou com o Bloco foi cumprido. Abriram-se as portas à austeridade pela desvalorização salarial, pela manutenção das leis anti-laborais, pela nacionalização dos prejuízos privados e pelo aumento do endividamento das empresas e das pessoas.
No último OE (2021), o PS prosseguiu essas políticas e, arrogante, continuou apenas interessado em obter o apoio cego às suas próprias propostas que quis impor como bandeiras da esquerda. O Bloco arrastou até ao limite a decisão de votar contra, mantendo a ambiguidade que vinha de trás de não se afirmar como oposição com agenda autónoma. Foi inteiramente justo não aprovar o OE, porém a organização e a opinião pública não foram preparadas nesse sentido, disseminando a surpresa e até alguma incompreensão entre alguns militantes que, na véspera, continuavam a defender com vigor a sua viabilização por abstenção, à semelhança do que acontecera anteriormente.
A estratégia do Bloco orientou-se para garantir laços políticos institucionais com o PS, que não conseguiu, não alcançando o objetivo de “ser força de governo, com uma nova relação de forças” traçado na XI Convenção Nacional, tendo-se assistido a uma perda eleitoral da esquerda e uma deslocação à direita das forças parlamentares. O Bloco surgiu, assim, como parceiro menor das políticas do Governo e do PS, dissolvendo nessa manobra a autonomia e radicalidade estratégica que lhe é matricial.
Nas eleições presidenciais a candidatura apoiada pelo BE da camarada Marisa Matias, não obstante o seu voluntarismo e o seu esforço, teve sérias dificuldades de afirmação e perdeu 300 mil votos. A proposta e o programa tocaram aspetos de grande importância, mas a política não se demarcou com clareza e profundidade de outras candidaturas, enleando-se numa linha que continuava a insistir nos acordos com o PS. Vastos e potenciais eleitores e amigos não foram votar na nossa candidata, apesar de uns quererem expressar um voto à esquerda e outros torná-lo eficaz. Quem não polariza perde.